Ao tratar de partilha de bens em divórcios e dissoluções de união estável, é comum surgirem dúvidas sobre a incidência do ITCMD quando um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros recebe bens em valor superior à sua meação. A tese que defendo — amparada em fundamentos constitucionais, legais e jurisprudenciais — é simples: não há incidência de ITCMD quando o excesso de meação decorre apenas da valoração distinta dos bens destinados a cada parte, e não de uma verdadeira doação.
A tributação só pode ocorrer quando há, efetivamente, a hipótese de incidência prevista em lei. No caso do ITCMD, exige-se um ato de transmissão que envolva liberalidade ou intenção de doar (“ânimus donandi”). Se, na divisão do patrimônio comum, as partes apenas escolhem composições diferentes — como um fica com o imóvel e o outro com aplicações financeiras — é natural que a equivalência econômica não seja matemática. Avaliações distintas, liquidez, condições de uso e outros fatores levam a pequenos ou médios desequilíbrios. Essas diferenças não representam doação, mas simples ajuste patrimonial. A própria natureza da meação implica compensações e equívocos inevitáveis de quantificação.
Sem ânimo de liberalidade, não há transmissão gratuita, e sem transmissão gratuita não se configura o fato gerador do ITCMD.
A partilha é apenas a definição de como cada um dos coproprietários receberá o que já lhes pertence. Se não há enriquecimento sem causa, intenção de favorecer o outro ou transferência patrimonial fora da lógica da comunhão, não pode o Fisco qualificar a operação como doação. Por isso eu entendo que a cobrança de ITCMD pelo fisco quando há esse tipo de excesso de meação é indevida.
O entendimento contrário levaria a distorções: qualquer diferença de avaliação — ainda que mínima — geraria tributação. Isso puniria quem busca resolver consensualmente o divórcio e incentivaria litígios longos apenas para “equalizar” artificialmente valores que, na prática, são sempre dinâmicos.
A regra deve ser objetiva: só incide ITCMD quando houver prova inequívoca de doação entre os ex-cônjuges ou ex-companheiros. No excesso de meação decorrente de mera composição econômica, sem liberalidade, não há fato gerador, não há doação e não há imposto.
Esse entendimento evita interpretações fiscais expansivas e respeita os limites constitucionais do ITCMD. Em um cenário em que muitos acordos patrimoniais já são complexos e emocionalmente carregados, o Direito Tributário não pode acrescentar obstáculos onde a lei não autoriza.
